4, dezembro, 2015

Karliano Pereira: alquimia dos pães e o toque do rosmarino

Karliano Pereira, criador e mantenedor da Rosmarino Pães
Karliano Pereira, criador e mantenedor da Rosmarino Pães

Dedos de prosa e o cheiro das fornadas de pão no ar… É neste ambiente que trabalha o “alquimista” Karliano Pereira, chef que lidera a Rosmarino Pães. O nome da fábrica é oriundo do alecrim italiano, ingrediente que acrescenta traço perfumado a tudo o que acompanha. A escolha do nome insinua parte da formação gastronômica de Pereira, formação esta que abrange cursos e viagens no intuito de especializar-se cada vez mais na área da panificação. “Não sei fazer outra coisa, minha paixão é essa”, brinca, nos convidando a experimentar uma farta ceia de pães recém-preparada.

O Portal Sabores entrevistou este nome da gastronomia local, e tivemos, na ocasião, a oportunidade de experimentar algumas de suas delícias, enquanto conversamos sobre sua vida, carreira e sonhos.

Quando você resolveu se enveredar no ramo da gastronomia?

Que eu comecei a pesquisar, a estudar e me interessar… Há uns dez anos. Em março vou fazer 50, então assim, é bacana quando você abraça uma coisa para a tua vida. Tudo isso foi da maturidade. Eu tenho sede de estudo… Hoje sou formado em Turismo e tenho Pós-Graduação em Gastronomia e Nutrição.

Você se pós-graduou onde, Karliano?

Aqui em Fortaleza… Mas aqui, como temos um problema nas faculdades, com pós-graduação na área da gastronomia, é tudo algo muito restrito. Na época, me pós-graduei na FATECE, a única opção disponível. Foi interessante porque fiz muitos amigos, e levei para ser minha amiga de pós-graduação a Mattu (Mattu Macêdo) e a Nair (Nair Mendes).  A Nair e a Mattu, quando eu me matriculei, eu matriculei também elas duas e fomos ser amigos de pós-graduação. E aí virei professor da FATECE, e posteriormente fui ser professor da FANOR. Agora o meu objetivo é Mestrado na área da gastronomia, que infelizmente o Brasil não tem. Mas é assim, eu não desisto, tudo o que é curso eu faço, eu gosto de estudar… E na área da panificação, então…

Por que a panificação?

Uma vez, eu tenho uma amiga chamada Dilma Schmitt, e nós conversando, falando sobre as alquimias da gastronomia, ela me disse: “Amigo, para mim, a maior alquimia da gastronomia é o pão… Porque o pão é uma farinha que você adiciona algumas coisas e você transforma num mundo de possibilidades”. E aí, a gente conversando, tomando um vinho lá em casa, ela me disse: “Vai ter um curso de pão que vai ser com a Nair Mendes, e a gente poderia fazer”. Inicialmente eu não queria fazer… Aí ela foi lá, na época era a escola Alteza… Ela fez a inscrição dela e a minha e passou lá em casa. Lembro-me que quando conheci a Nair, havia só alunas, e eu era o único aluno. Eu cheguei, perguntei: “Professora, posso ir para o seu lado?”. Ela disse que sim. Então a Nair começou a fazer os movimentos de dedo, eu olhei, e fui fazendo junto dela. Quando acabamos, ela me disse: “Rapaz, parabéns… Há quantos anos você faz pão?”. E eu disse: “Professora, esse é o meu primeiro pão”. E ela me deu os parabéns… Comecei a ajudar os outros amigos da bancada a fazer pão. Voltando para casa, passei no supermercado, comprei um monte de farinha e fermento e virei a madrugada fazendo pão. Achei a paixão… E aí tudo começou, com a Nair… Foi ela quem eu levei para a pós comigo. Tudo isso há dez anos…

Karliano partindo seu delicioso coupiac, pão tradicional europeu com toques de queijo
Karliano partindo seu delicioso coupiac, pão tradicional europeu com toques de queijo

Qual papel ocupou a figura da Nair Mendes em sua formação como gastrônomo e na paixão pela área da panificação?

Eu tenho um respeito grande por ela… E a Nair é aquela que eu tenho saudade do cheiro da farinha na mão… Ela tem uma coisa assim meio maternal, e ela me dá isso, essa sensação. Então toda vida que se fala em panificação, eu tenho um respeito muito grande pela Nair. Até um dia desses eu falei para ela: “Nair, eu queria muito roubar você para mim”, aqui para a fábrica (risos). Mas deixa ela lá, hoje ela trabalha com a Mattu.

Depois desse início, como se seguiu a sua formação na área da panificação?

Fui fazer curso de chefe de cozinha no ITIF (Italian Culinary Institute for Foreigners), no Rio Grande do Sul, uma escola de gastronomia, cultura e enologia das regiões da Itália. Ele é um curso de chefe de cozinha, então abrange todas as áreas da gastronomia, inclusive a panificação. Quando eu cheguei na escola, e vi o mundo da gastronomia, principalmente a panificação, eu não tive mais dúvida. Perguntei a mim mesmo: “Qual é o meu lance com a gastronomia?”. E respondi sozinho que era a panificação…

E daí até a Rosmarino: como nasceu a empresa e como ela tomou a forma que tem hoje?

Quando a Rosmarino começou, essa casa aqui era a casa da minha avó, e estava alugada… Vim pra cá, lembro de mim e de um funcionário que está comigo até hoje, e começamos a estudar juntos. Começamos a fazer juntos, aprendendo juntos, fomos a várias escolas de panificação em Fortaleza… A Escola dos Moinhos… Naquela época fazíamos biscoito, a Rosmarino tinha um monte de coisas para fazer. Eu saí cortando… Com o passar do tempo, eu cheguei à conclusão de que não queria fazer biscoito, até fazia outros alimentos, como bolos e tortas, mas preferi me focar em uma coisa só: o pão. Especializei-me nisso. Hoje, só faço pão: a Rosmarino é uma empresa especializada em pão.

O seu cardápio tem, em média, quantos tipos de pães?

Mais de cem… O que a gente fez agora, semana retrasada, foi enxugar a quantidade. Até uns quinze, vinte dias atrás, nós estávamos trabalhando com 86 tipos de pão. A logística para trabalhar com eles é muito complicada. Até porque os insumos são caros, a gente muito insumo importa… E são perecíveis demais. Então para não ter esse desperdício e a coisa toda, eu me perguntei: “Quais são os pães que vendem mais, que o mercado mais exige?”. E aí a gente focou nesses pães, os nossos principais. Não com isso que a gente não possa produzir os outros. Mas hoje eu não coloco eles nem no meu cardápio, embora numa conversa, se a pessoa sinalizou que quer um pão “assim ou assado”, muito específico, eu faço. Hoje estou querendo trabalhar com 60, na média de uns 60 pães, e fica mais fácil. Para a gente fazer compra, organizar, manter, fica melhor. Mas de receitas, tenho mais de 120 receitas.

Panetones da Rosmarino: queijo, chocolate e frutas secas
Panetones da Rosmarino: queijo, chocolate e frutas secas

Qual foi a sua criação mais exótica de pão?

Às vezes, por exemplo, estou em um determinado lugar, fazendo uma viagem… Vou jantar com os amigos, como alguma coisa e “nossa, isso aqui transformado em pão seria fantástico”… Enquanto eu não vou lá, e não coloco aquilo para virar um pão, eu não sossego (risos). Assim a gente fez, não está no cardápio, mas fiz até para um evento onde estava o Alex Atala, um pão de tucupi, a massa do pão feita com tucupi, e o recheio feito de camarão e jambu. Um pão totalmente paraense, não tem nada a ver com Fortaleza. Gosto muito do Maranhão, e o Maranhão é famoso pelo arroz de cuxá. Eu trouxe o cuxá para Fortaleza, plantei na minha horta, e fiz um dia desses pão de cuxá recheado com camarão… Então é assim, não adianta a gente colocar essas coisas aqui no mercado porque o mercado nem conhece. Mas esse de cuxá foi bem bacana, eu gostei muito da experiência. Também tem o pão de caju, que ficou no cardápio e não sai, porque todo mundo quer. Esse foi uma ideia do Intercaju, um projeto que o governo fez ano retrasado, com todos os chefs de Fortaleza, para cada um desenvolver um prato a partir do pedúnculo, e não da castanha. Porque no interior, já fomos o maior produtor de castanha-de-caju, mas sempre o ouro do negócio era a castanha, e o pedúnculo, o caju em si, virava ração ou lixo. Enquanto no interior havia um monte de gente morrendo de fome. Então chamaram a gente para desenvolver pratos, um monte de gente bacana, eu, Faustino, Léo Gondim, Liriane Pereira, Marie Anne Bauer…

Além de restaurantes, hotéis, barracas de praia e outros estabelecimentos, você tem clientes habituais, pessoas físicas com história de predileção pela Rosmarino?

Tenho, tenho sim… Eu tenho uma cliente, desde a época da loja, há três anos atrás, e eu tenho um respeito muito grande por ela. Ela mora sozinha com o marido e compra o nosso pão carioquinha todo dia… Todo dia tem o pão certo dela. Eu tenho três ou quatro clientes muito habituais que nos compram só pão carioca. Ela pede para que nós entreguemos o pão, e todo dia eu mando alguém ir deixar o pão dela.

Você já se imaginou Karliano, se hoje não estivesse trabalhando com gastronomia, em que estaria atuando?

Dando aula…

De que?

De gastronomia! (risos)… Não muda.. Eu até gosto muito do Turismo, talvez fosse até um bom professor de Turismo, mas com certeza dentro do Turismo eu ia focar na gastronomia. Hoje falo até muito para os meus alunos: “Se eu conseguir plantar a sementinha da gastronomia em alguém, o meu trabalho está pago”.