8, julho, 2012

Um francês com sotaque cearense

O chef apresentou a comida cearense no último Semana Mesa São Paulo Bernard Twardy não é cearense, mas é um dos principais defensores da nossa comida. Confira a entrevista com o chef

Portal Sabores: Quais temperos utilizados com mas frequencia pelos cearenses você destaca?
Bernard Twardy: Quando cheguei no Ceará em 1985, tinha cebolinha, coentro, pimenta do reino preta, alho, cravo, louro e montanhas de colorífico. Com a chegada pioneira da Bavaria na Santos Dumont e a abertura da loja de importados na Casa do Frango, os cearenses abriram o leque dos temperos. A comunidade libanesa devia com certeza trazer os temperos da sua maravilhosa culinária, de onde quer que seja, mas não faltavam em suas cozinhas.

Quais deles estão disponíveis em pratos do restaurante da praia do Beach Park?
Beach Park é um complexo, que atende todo tipo de clientes em varias situações, praia, parque, hotéis. Os chefs e os gerentes de alimentos e bebidas do Beach Park firmam a culinária cearense nos seus cardápios, com direito a todo tipo de temperos, a listagem de compra dedicada a eles tem mais de 60 componentes.

Você conhece a origem desses condimentos? Como eles chegaram ao Ceará?
A ligação das ervas e especiarias com o Brasil surgiu antes mesmo da descoberta do nosso país. Afinal, foi em busca de especiarias na Índia que os navegadores europeus descobriram as Américas. Esse fato histórico demonstra a importância que os temperos têm na culinária de países de todos os cantos do mundo. No Brasil não é diferente. País com ampla variedade de espécies vegetais e habitado por imigrantes oriundos das mais diversas nações, o Brasil aprecia e convive com temperos e pratos de todas as origens. Na época das Grandes Navegações e Descobrimentos Marítimos (séculos XV e XVI) eram muito valorizadas na Europa, pois não podiam ser cultivadas neste continente em função do clima. O surgimento e crescimento da burguesia também aumentou a demanda por produtos considerados de luxo na época, como as especiarias. Cabral recebeu alguns índios em sua caravela. Neste contato os portugueses ofereceram água aos índios que tomaram e cuspiram, pois era água velha com gosto muito diferente da água pura e fresca que os índios tomavam. Os índios também não quiseram vinho e comida oferecidos pelos portugueses. Eles já tinham os seus muitos temperos. Fortaleza recebeu influencias de cada nação colonizadora que passou por ela, assim como pelas pessoas que chegaram pra ficar vindas de outros estados e países.

Dos que você mencionou, qual você mais gosta de usar?
Eu não entendia, quando cheguei, o apego pelo colorífico que o cearense tem. Do mesmo jeito que uma colher de farofa na boca me dava uma sensação de pegadinha. De fato um cozidão, um pirão, uma farofa e tantos outros pratos sem este componente não chega a "cor local ". Não posso afirmar que é o meu favorito, mas, anos atrás jamais imaginava que gostaria de usá-lo. Escolhi a profissão de cozinheiro para jamais compactuar com a monotonia. Ter um tempero favorito seria uma rendição, uma acomodação.  Gosto de todos e espero descobrir muitos ainda.

Você acredita que o colorau é bem aproveitado nos restaurantes cearenses?
Acho que certos cozinheiros, chefs, tem a mão um pouco pesada ao compor com ele.

Para você, os cearenses valorizam sua cultura culinária? O que falta para isso acontecer ?
Sim, o cearense valoriza a sua culinária, os da gema, os adotados, os portadores de rapadura card, os cearenses de coração. É bom lembrar que nos dois últimos séculos apenas vinte obras fizeram referencia a culinária local. Os eventos de iniciativa privada como o Grand Shrimp Festival no Acaraú e o Prazeres da Mesa Fortaleza colocam o Ceará no mapa da gastronomia nacional e internacional. Acredito que os nossos governantes têm plena consciência que turismo e gastronomia andam de mãos juntas. A chegada de uma faculdade como a Maurício de Nassau, com focos em hospitalidade me deixa muito feliz. Afinal, nas copas, o tema para alimentação será "o melhor da gastronomia regional" vai ter que atender às expectativas, e quando estes visitantes partirão elogiando, qual cearense não se sentirá orgulhoso?